sexta-feira, maio 9

Nova mudança

Coisas do Campo mudou-se. Agora está aqui.

domingo, março 30

Moranafilosofia

Moranafilosofia será descontinuado por algum tempo, por razões e motivos que não vem ao caso tentar explicitar aqui. Lembro apenas que este blogue começou como uma retomada de um jornalzinho automático que circulava no corredor do curso de Filosofia da UFSM; a conversa foi aumentando e acho que chegou a hora de hospedá-la em outro lugar. Aproveito o ensejo para fazer, com o nome do blogue, uma homenagem ao Antonio Augusto. O nome do novo blogue é Coisas do Campo, um de seus últimos livros. Para acessar, clique aqui.

quinta-feira, março 27

Mundo ideal

Trecho de uma entrevista com a atual Secretária de Educação do Estado de São Paulo, Maria Helena Guimarães de Castro, na edição 2047 da Revista Veja, 13 de fevereiro de 2008:
Veja - Qual seria o melhor caminho para elevar o nível dos professores?
Maria Helena – Num mundo ideal, eu fecharia todas as faculdades de pedagogia do país, até mesmo as mais conceituadas, como a da USP e a da Unicamp, e recomeçaria tudo do zero. Isso porque se consagrou no Brasil um tipo de curso de pedagogia voltado para assuntos exclusivamente teóricos, sem nenhuma conexão com as escolas públicas e suas reais demandas. Esse é um modelo equivocado. No dia-a-dia, os alunos de pedagogia se perdem em longas discussões sobre as grandes questões do universo e os maiores pensadores da humanidade, mas ignoram o básico sobre didática. As faculdades de educação estão muito preocupadas com um discurso ideológico sobre as múltiplas funções transformadoras do ensino. Elas deixam em segundo plano evidências científicas sobre as práticas pedagógicas que de fato funcionam no Brasil e no mundo. Com isso, também prestam o desserviço de divulgar e perpetuar antigos mitos. Ao retirar o foco das questões centrais, esses mitos só atrapalham.

terça-feira, março 18

Palavras


"As palavras constituem a textura definitiva e o material de nosso ser moral, dado que elas são, dentre os simbolismos pelos quais nos expressamos em existência, os mais refinados, delicados e detalhados, bem como os mais universalmente usados e compreendidos. Nós nos tornamos animais espirituais quando nos tornamos animais verbais. As distinções fundamentais somente podem ser feitas em palavras. Palavras são espírito. Naturalmente, a eloqüência não é garantia de bondade, e um homem inarticulado pode ser virtuoso. Mas a qualidade de uma civilização depende de sua habilidade para discernir e revelar a verdade, e isto depende da abrangência e pureza de sua língua."

Iris Murdoch, em Salvation by words.

Boa Páscoa!

Tocaio, fotografado por Gabriel Pillar

Canção para um entardecer

(...)
Depois de mim, o que será do mundo,
além de mim, o que será que existe?
Nos mistérios da vida onde me afundo
tenho razões de sobra pra ser ser triste.
(...)
O caranguejo quer cortar-me a carne,
afia as garras, mas eu sou de cerno.
Acredito que um dia vá matar-me.
(...)
Ah! que medo que eu tenho da velhice!
Querer fazer as coisas sem poder,
viver do que passou, dizer tolice,
despertar compaixão, fazer sofrer.
Ah! que medo que eu tenho da velhice!
Tenho razões de sobra pra ser triste.
Agarro-me na fé que é turva e pouca
e tento uma alegria, se é que existe
...Só esta alma ingênua e meio louca
que teima em pôr-me um pássaro na boca.

Antonio Augusto Ferreira, Sol de Maio.

segunda-feira, março 17

Antonio Augusto Brum Ferreira


Antonio Augusto Ferreira faleceu. Ele estava hospitalizado desde a noite de lançamento de "A Nona Assassina" e depois de diversas complicações veio a morrer na tarde de hoje. Paulo, que me deu a notícia, disse que o velório será nas capelas do Hospital de Caridade.
Para quem não o conheceu: Antonio Augusto não foi apenas o conhecido autor de letras vencedoras, como Veterano, Entardecer, Pago Perdido, Contrabando, e poemas poderosos como Sonho Criador, talvez os seus versos mais queridos e conhecidos. Ele sempre esteve associado com o nativismo, mas há uma vertente cosmopolita em seus escritos que eu admiro muito. Um exemplo notável são seus versos sobre a morte, merecedores de lugar em qualquer antologia universal de poesia sobre esse tema:

A PONTUAÇÃO DA MORTE

Leia-se bem a MORTE:
morte, vírgula ou morte, ponto.
Atente-se à pontuação:
depois da vírgula, segue
mas depois do ponto, não.

Para os da vírgula
é preciso crença.
O ponto, não,
o ponto dispensa.

Há quem pontue a morte
com uma interrogação,
estes, estão no escuro.
Há também os reticentes...
morte em cima do muro.

E eu, afinal?
depois da morte,
ponto final.

Antonio Augusto Ferreira
19.12.01

Dele disse um dia Barbosa Lessa: que era um homem que sabia dizer as coisas que sentimos, nós, que aos poucos não nos importamos mais "com a fúria desses ventos." Não é pouco. Eu não sei o que mais me impressionava nele, se eram essas pontes que ele construía entre o nativismo e os temas universais, se era a paixão que ele investia em horas e horas de conversa sobre literatura e poesia, nas quais tirava proveito da prodigiosa memória que tinha. Participamos juntos de uma sessão no 13 de maio, na qual eu declamei versos de Prado Veppo e ele trouxe o seu Sonho Criador. Naquela ocasião prometi a ele que em uma próxima oportunidade eu diria um poema dele. Ele, diligentemente, registrou o compromisso na dedicatória que fez para mim de Sol de Maio: "gostaria de ouvir um poema meu em sua boca". Felizmente pude cumprir a promessa, lendo para ele o meu favorito, que transcrevi acima.
Na "Pontuação da morte" ele fala em ponto final. Para quem conviveu com ele e com seus versos, essa ocasião é um ponto de partida para mais uma vez lembrar e homenagear sua paixão pelas letras e pela vida.
Hoje é um dia de repetir com ele,
meu mundo ficou pequeno
e eu sou menor do que penso
.

domingo, março 16

Inauguração


A julgar pelo que começa a ver na Internet, a partir de agora as agências do centro do país vão começar a incluir o caso Rodão em suas pautas. Afinal, tem um ex-reitor de federal indiciado - mais um para fazer companhia ao Timoteo, tem deputado no meio, professores universitários, as zelites do país, etc - . O que me intriga nessas coberturas é a forma como se lida com o relato sobre a gênese do que se considera errado no caso Rodão. Por exemplo, as informações sobre o início, em 2003. Qualquer jornalista poderia ter questionado as autoridades no dia 17 de junho, em Santa Maria, em 2003. O press-release abaixo está até agora no sitio do Detran:
A Fundação de Apoio à Tecnologia e Ciência - FATEC, vinculada à Universidade Federal de Santa Maria, realiza nesta sexta-feira dia 17 de junho, às 11 horas, a solenidade de inauguração do centro de pesquisa no trânsito, com ênfase na segurança. Trata-se do programa Trabalhando pela Vida! , que irá prestar serviços especializados na área. A FATEC é encarregada pelo Detran-RS da criação e aplicação das provas teóricas e práticas para a certificação da Carteira Nacional de Habilitação.
O Prédio de Pesquisa, Desenvolvimento e Serviços está localizado no Campus da UFSM, numa área de 680m². Dentre os setores que compõem essa Unidade, destacam-se os de Desenvolvimento de Softwares, Digitação e Diagramação, Elaboração de Exames Teórico-Técnicos, Estudos das Tecnologias de Última Geração, Leitura Óptica, Pesquisa e Desenvolvimento de Ações Pedagógicas, Pesquisa e Desenvolvimento de Estatísticas.
Além da equipe do Trabalhando pela Vida!, e de seu coordenador, Professor Dario Trevisan de Almeida, estão previstas as presenças do Governador do Estado do Rio Grande do Sul (RS), Germano Rigotto, do Secretário de Estado da Justiça e Segurança do Estado do Rio Grande do Sul, José Otávio Germano, do Diretor-Presidente do Detran-RS, Carlos Ubiratan dos Santos, e do Reitor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Paulo Jorge Sarkis.

Rigotto veio, viu, assinou, sob o testemunho do Reitor e de todos os jornalistas presentes. Até ali, como dizia aquela senhora, estava tudo bem. Nem as pedras podiam ignorar que ali se assinava um contrato com dispensa de licitação. Acho curiosa é a ênfase que hoje se dá para uma informação que, se não era pública, a responsabilidade de não se saber isso devia cair nos curiosos. Eu não diria a mesma coisa sobre as cláusulas de sigilo que haviam no contrato de 2003. O tal contrato, no entanto, não foi remetido pelo ex-reitor ao Conselho Universitário para aprovação, muito embora ele envolvesse servidores e bens da Ufesm. Ele diz que apenas apresentou a Fatec e a Ufesm ao Detran. Por que o contrato não subiu até ao Consu?
O diretor de Centro que assinou o contrato pagou caro por esses detalhes. Foi indiciado.
Na foto, uma tapera da Serra do Caverá, por onde andava Honório Lemes, o Leão do Caverá.
Ainda pago uma visita ao túmulo dele, nas areias de Rosário. Essa história de ser gaúcho, sabe como é.

Páscoa


Vai até o dia 19 a segunda edição do bazar de páscoa do Tribunal de Contas do Estado. A exposição está localizada na entrada do edifício-sede do TCE, na Rua Sete de Setembro, 388. Mais não diz o sítio do tribunal sobre as novidades da semana da páscoa.
No prédio do Cetê, da Ufesm, tem bazar de páscoa também. Os ovinhos estão expostos no saguão, junto à parede decorada por Trevisan, o pintor.
No Cetê nasceu e firmou-se a liderança exercida na Ufesm pelo Prof. Paulo Sarkis. A história da Ufesm, desde os anos oitenta, não pode ser contada sem o capítulo dedicado ao trabalho do Prof. Paulo, em especial ao seu papel na reorganização do movimento docente sob uma perspectiva alternativa àquela que era dominante. Durante muitos anos ele alimentou o projeto de chegar à Reitoria, em vão. Perdeu duas eleições, finalmente chegou lá, e durante seus oito anos de reitorado exerceu o comando na Universidade de uma forma comparável a poucos, no que diz respeito à hegemonia que conquistou nos Conselhos Superiores, por exemplo. Seu candidato perdeu a eleição para o Prof. Lima por poucas dúzias de ovos. Seu grupo facilmente retornaria ao poder, se os ninhos tivessem continuado como estavam.
Nessa Páscoa termina, com todos os simbolismos possíveis, um ciclo. A consternação dos apoiadores do grupo que apontaria um "novo rumo" para a Ufesm não poderia ser maior.
O que virá? De onde virá a renovação que a Universidade precisa?
Tem gente se babando no discurso moralista, acreditando que é por aí.
A orquídea com jeito de anjo tem perfume de chocolate.

sexta-feira, março 14

Listão

No sítio do Claudemir está o listão da Federal. Caiu o rei de ouros.

Caverá


No imaginário pampeano há uma região de lendas chamada Serra do Caverá, nas bandas do Alegrete. Nessas horas de passamentos, vou assuntar os serros. Até segunda.

Palavras


O Claudemir Pereira, dias atrás, falou sobre a experiência de acompanhar de perto o caso Rodin, na medida em que algumas pessoas conhecidas, colegas de trabalho, quase amigos, estão envolvidos. Num caso desses, que não é comum na vida da gente, não dá para encher a boca e ficar falando como se fosse gente lá do planalto central de Zilbra; você pode exagerar na dose, generalizar, e ter que morder a língua logo ali; ou vai cruzar com o cujo na rua e ele pode querer conversar sobre o seu ataque de boquirrotismo. E assim o Claudemir recomendava vagareza no andor e comedimento no clamor. Fiquei pensando no assunto, acho que ele está tapado de razão.
Enquanto isso, recebi uma correspondência de um conhecido, que desgostou de minha crítica ao uso das metáforas de doença em análise política. Isso foi logo depois da Gisele escrever aquela bela nota com a citação da Susan Sontag, maravilhosa. Obrigado, Gisele.
Bom, fiz minhas as palavras de Sontag e acrescentei, na resposta a esse conhecido - ele disse que eu deveria me indignar era com os criminosos, e não com as metáforas! - que ainda não sei bem qual a palavra que eu usaria para qualificar meus sentimentos em relação às pessoas indiciadas no inquérito; é muita gente, de todo o tipo e feitio, com todo tipo de responsabilidade. Acho que seria ruim usar uma única palavra para resumir sentimentos ainda imprecisos, e em qualquer caso ela não seria ainda "indignação", acrescentei; por exemplo, faz pouco tempo que alguns dos alegados chefes da quadrilha eram incensados pela esquerda local, quando se montou o famoso acordo PT-PDT. E eram o protótipo de gente boa, que levava legiões de professores, estudantes e servidores às urnas. Alguns deles estavam em campos opostos ao meu, em termos de política da universidade, e não me interessa misturar as coisas. Pão é pão e beijo é beijo.
Ainda estou tentando entender como chegamos a isso. O delegado Gaspareto, hoje pela tarde, ao explicar que não poderia dizer nenhum nome além dos já revelados, insistiu, no entanto, em chamar a responsabilidade para os ombros do Zé Fernandes, por exemplo. O Zé: tinha horas que eu me pegava com ele, quando ele insistia nas experiências administrativas que inventava e às quais sempre me opus, de forma educada. E tinha horas que eu me orgulhava de votar com ele nos conselhos, defendendo coisas que achávamos progressistas e eu achava que a gente tinha alguma coisa em comum. O que é que eu faço com o Zé agora? Eu não posso decidir de uma hora para outra que devo odiá-lo ou algo parecido.
O Zé é qualquer um de nós, de certa forma.
Como diria o polidor de lentes, não me interessa rir como um tomatinho do campo, ou chorar, eu queria mesmo era compreender. Estúpido como sou, sei não.

Metáforas (II)

Gisele Secco fez uma contribuição na postagem sobre metáforas que resolvi colocar aqui na página principal. Ela escreve:

"Fui buscar ali na minha estante um livrinho que reúne dois ensaios de Susan Sontag sobre metáforas de doenças (Doença como metáfora e AIDS e suas metáforas, pela Companhia de Bolso, 2007), pra trazer esse trecho que complementa o que dizes:

“Apresentar um fenômeno como se fosse um câncer representa uma incitação à violência. O uso do câncer no discurso político estimula o fatalismo e ‘justifica’ medidas severas – bem como reforça com veemência a noção de que a doença é necessariamente fatal. Embora as metáforas de doença jamais sejam inocentes, seria possível afirmar que a metáfora do câncer é um caso pior: implicitamente genocida. Nenhum ponto de vista político específico tem o monopólio dessa metáfora. Trotski chamava o stalinismo de o câncer do marxismo; na China, no ano passado [que, aqui é 1976]o Bando dos Quatro tornou-se, entre outras coisas, ‘o câncer da China’. John Dean assim explicou Watergate para Nixon: ‘Temos um câncer interno, perto da presidência, e está crescendo’. A metáfora recorrente nas polêmicas dos árabes – ouvidas por israelenses no rádio todos os dias, ao longo dos últimos vinte anos – é que Israel é um ‘câncer no coração do mundo árabe’ ou ‘câncer do Oriente Médio’, e um oficial que, junto com as forças direitistas libanesas, participava do sítio ao campo de refugiados palestinos de Tal Zaatar, em agosto de 1976, chamou o campo de ‘um câncer no corpo do Líbano’. Para quem deseja suscitar a indignação, parece difícil resistir à metáfora do câncer. Assim, Neal Ascherson escreveu em 1969 que o caso Slanksy ‘era – é – um enorme câncer no corpo da nação e do Estado da Tchecoslováquia’; Simon Leys, em Sobras chinesas (Chinese shadows), fala do câncer maoísta que está corroendo a face da China’; D. H. Lawrence chamou a masturbação de ‘o mais profundo e perigoso câncer da nossa civilização’; e eu certa vez escrevi, no calor do desespero com a guerra dos Estados Unidos contra o Vietnã, que ‘a raça branca é o câncer da história humana’. (...) As modernas metáforas de doença são todas indelicadas. As pessoas que sofrem da doença real em nada se beneficiam ao ouvir o nome de sua doença constantemente mencionado como a síntese do mal. Só no sentido mais restrito um fato ou problema histórico se assemelha a uma doença. E a metáfora do câncer é particularmente grosseira. Sempre representa um estímulo a simplificar algo complexo e um convite ao farisaísmo, quando não um fanatismo”. (p. 72-3) "

quinta-feira, março 13

Afundações

A pergunta feita pelo jornal do sindicato (Março, 2008) foi: "a extinção das fundações de apoio é positiva para as universidades?"
Me lembrei daqueles exemplos que a gente estuda em lógica informal, sobre perguntas capciosas, indutoras, do tipo "você já parou de bater na sua mulher?"
A Profa. Maristela disse sim, orientando-se pela posição atacadista do Andes, "tomada de posição de projeto de Universidade e de projeto de nação". Ok, entendo, também sou a favor de comer mingau quente pela beirada do prato. Mas o varejão, como fica?
Já o Prof. Koff, em defesa do não, subiu nas tamancas de Maquiavel para invocar uma atitude realista, acabou se queixando daqueles que se aproveitam da crise para bater no cachorro fraco.
O legal é que a conversa continua.
Lembro-me do entusiasmo dos que fundaram a Fatec, numa salinha do Cetê, Benetti entre eles. Eles nunca imaginaram isso que aconteceu. Por outro lado, no movimento docente, o que foi que fizemos, de concreto, para mudar o modelo jurídico das universidades? Esperar por uma mudança no projeto de nação? O que seria isso? Acho boa essa pressão pela transparência, por exemplo. Mas vale perguntar: quem reclamou um ai quando o projeto do Detran não passou pelo conselho universitário? Quem reclamou um ai quando o ex-reitor implementou seu estilo trator, simbolizado ao presidir a reunião que o elegeu?
2008 vai começar amanhã. E não vai terminar muito cedo.

Metáforas



"O desenvolvimento da consciência nos seres humanos está inseparavelmente ligado ao uso de metáforas. Metáforas não são meramente decorações periféricas ou mesmo modelos úteis, elas são formas fundamentais da consciência que temos sobre nossa condição: metáforas de espaço, metáforas de movimento, metáforas de visão."

A frase é de Iris Murdoch, na abertura do ensaio "A soberania do bom sobre outros conceitos".

Lembrei dela ao ler hoje o jornal do sindicato da Ufesm. O editorial tem como título "O câncer que destrói a universidade".
Nele, encontramos as seguintes expressões qualificativas para as fundações universitárias: "câncer que tem consumido a universidade pública", "um tumor a sugar recursos", são "tumores" que é "preciso ter a coragem de extirpar".
O sindicato escolheu metáforas de doença para pensar nossa crise.
Dentre as doenças, escolheu o câncer.
Quero fazer duas observações.
Em primeiro lugar, fiquei surprêso com a escolha de metáforas ligadas à biologia para pensar problemas sociais e humanos. Desde a críticas a conceitos como "país subdesenvolvido", nos anos setenta, achei que o povo havia abandonado esse tipo de matriz retórica; conceitos como "sub-desenvolvimento" ou "doença" supõem, com razão, a tipificação de estados normais de desenvolvimento e saúde. Ora, pensar instituições sociais com essa matriz só pode dar chabu, e isso faz décadas que as ciências sociais se deram por conta. Assim, o editorial descambou para o lado moral.
Em segundo lugar, se eu tivesse câncer, ficaria puto da cara com o sindicato. Ninguém escolhe ter câncer. Ninguém é condenado moralmente por ter câncer. Ninguém é punido por ter câncer. O câncer não é um "mal terrível", como diz o sindicato. É uma doença que ninguém quer ter, mas não há um oposto para ela, um "bem maravilhoso". Assim, o editorial conseguiu ser politicamente incorreto.
Mais do que puto da cara, fiquei chateado.

Sapos


O Diário de hoje tem uma excelente matéria da Jaqueline Silveira, dando conta das relações perigosas entre a Fatec da Ufesm e a Intercorp, a empresa do Lima, não o daqui, mas o de Brasília. A Fatec teria contratado os "serviços" da Intercorp, pagando uns bons tostões em projetos de programas de computadores (aquele que determinou a interdição dos bens do ex-reitor da Ufesm).
O Prof. Rogério Koff, atual presidente da Fatec, de boa vontade e humor, deu a seguinte declaração, conforme o Diário:
Não sei se não tem mais um sapo enterrado.
Mantendo o humor, coisa importante numa hora dessas, eu diria: até pode estar enterrado, mas continua bem vivo.
E são muitos.
A Razão conta que a Fatec suspendeu a emissão de carteira de motorista. O setor que fazia os exames foi fechado ontem, até o dia 19 de março, à espera do dinheiro, coisa de dois milhões e meio de reais que faltam no caixa.
A gritaria vai ser grande, pois a Fatec processa mais de 60.000 exames por mês.
Tem um sapo querendo saber o que a Fundae vai fazer com tanto dinheiro. Tem gente que pensa que a Fundae é pouco mais do que uma padaria.
Era mesmo. Virou uma lavanderia, dizem os investigadores no documento da juíza Simone.
O sapo aí de cima me lembra vagamente alguém.

quarta-feira, março 12

Universidades


Bolonha é a universidade mais antiga do mundo, teve seus estatutos aprovados em 1158.
A universidade de Paris foi denominada universitas em 1208, pelo Papa Inocêncio III.
A Ufesm, nos anos sessenta, foi a primeira universidade fora de uma capital.
O povo das capitais dizia que isso não daria certo.
Quando a gente vê o anúncio de certos cursos e palestras de aperfeiçoamento de recursos humanos da Ufesm, nos quais comparecem floristas bachianos, ontopiscólos, terapeutas rolistas e quejandos, lembra do que o povo da capital dizia.
Nem sempre foi assim, é o que consola. Mas já faz um tempo que a esperança anda muito anêmica, atacada pelos gafanhotos.

O Listão da Federal (II)


Na inauguração dos cursos da Universidade do Distrito Federal, no distante ano de 1935, Anísio Teixeira, nomeado seu primeiro reitor, dizia sobre a função das universidades:
"A função da universidade é uma função única e exclusiva. Não se trata somente de difundir conhecimentos. O livro também os difunde. Não se trata, somente, de conservar a experiência humana. O livro também a conserva. Não se trata, somente, de preparar práticos ou profissionais de ofícios ou artes. A aprendizagem direta os prepara, ou, em último caso, escolas muito mais singelas do que universidades. Trata-se de manter uma atmosfera de saber, para se preparar o homem que o serve e o desenvolve. Trata-se de conservar o saber vivo e não morto, nos livros ou no empirismo das práticas não intelectualizadas. Trata-se de formular intelectualmente a experiência humana, sempre renovada, para que a mesma se torne consciente e progressiva. Trata-se de difundir a cultura humana, mas de fazê-lo com inspiração, enriquecendo e vitalizando o saber do passado com a sedução, a atração e o ímpeto do presente. O saber não é um objeto que se recebe das gerações que se foram, para a nossa geração, o saber é uma atitude de espírito que se forma lentamente ao contato dos que sabem. A universidade é, em essência, a reunião entre os que sabem e os que desejam aprender. Há toda uma iniciação a se fazer. E essa iniciação, como todas as iniciações, se faz em uma atmosfera que cultive, sobretudo, a imaginação... Cultivar a imaginação é cultivar a capacidade de dar sentido e significado às coisas. A vida humana não é o transcorrer monótono de sua rotina cotidiana; a vida humana é, sobretudo, a sublime inquietação de conhecer e de fazer. É essa inquietação de compreender e de aplicar que encontrou afinal a sua casa. A casa onde se acolhe toda a nossa sede de saber e toda a nossa sede de melhorar, é a universidade."
Anísio foi, como se sabe, perseguido, cassado, etc.
O tempora, o mores.
A foto acima é do centro de Rocha, Uruguay. Lá não há universidade, nem indústrias, nem empregos. O sonho da gurizada é vir para Santa Maria da Boca do Monte, onde tem universidade.

O listão da Federal


As universidades por vezes são chamadas de “academias”. Diz o Aurélio que a Academia, que era a escola de Platão, localizava-se nos jardins consagrados ao herói ateniense Academus. Academus é um herói mitológico, um semi-deus que vivia distante do povo, como sugere a etimologia de seu nome: héka (longe, distante), e demos (povo).
Academo age independentemente do povo.
Como é possível administrar uma instituição que já foi definida como um lugar onde os professores e os estudantes fazem o que bem entendem e o reitor leva a culpa? Como deixar de lembrar aqui Aluízio Pimenta, que comparou o reitor a um rei momo?
As universidades atravessam os séculos. Elas ainda continuam sendo instituições especiais, com certos privilégios e charmes ou são apenas empresas como outras? Professores, pesquisadores, acadêmicos são mesmo administráveis? Em que sentido? Dentro de quais limites? Sobre isso, vale lembrar o que o sociólogo italiano, Saverio Avveduto, escreveu sobre as reformas da universidade italiana: “a universidade registrava ritmos de renovação tão lentos que fazia pensar naquele rio gálico sobre o qual César escreveu que se movia tão devagar que não dava para perceber em qual dos dois sentidos ele corria.”
Há, no entanto, uma especificidade do trabalho acadêmico que nem sempre é lembrada, e que faz justiça à história de Academo. Pense no caso de uma equipe de pesquisadores competentes. Eles se dedicam a investigar um certo problema: eles querem mapear a genética de uma certa bactéria. Será que pelo simples fato de ter boas condições de trabalho eles conseguirão descobrir ou provar o que desejam, produzir o conhecimento visado, tendo controle completo do tempo que levarão para atingir os resultados que buscam? Pense no que acontece com as pesquisas de cura de certas doenças.
Pense agora no caso de políticos e administradores, que trabalham com orçamentos e prazos.
No primeiro caso, da equipe dos investigadores, como se dá a relação com o tempo? O quanto o tempo é importante, decisivo? E no segundo caso, a relação com o tempo é do mesmo tipo? E qual a relação com o tempo no caso da formação de pessoas?
Gestores, professores/pesquisadores e estudantes tem, cada um deles, uma relação diferente com o tempo.
No âmbito da ação humana o tempo é uma variável sempre presente, no sentido de que, se não agimos, as coisas agem por nós. No domínio da ação humana, o tempo é um constitutivo absoluto. Ao contrário disso, no âmbito do conhecimento humano, em que se procura descobrir ou estabelecer a verdade sobre isso ou aquilo, o tempo é uma variável externa e não decisiva. Dizendo de outra forma: se não descobrimos o que queremos hoje, quem sabe faremos isso amanhã depois ou ainda depois. Há pesquisas que consomem décadas de trabalho, e não é por falta de dinheiro que não se descobre tal e tal coisa. É apenas porque no âmbito do conhecimento, é assim mesmo.
Por exemplo, para lembrar um assunto da hora, o ex-deputado João Luis Vargas rezou para que a verdade sobre o Detran fosse descoberta. Se ela vai ser descoberta ou não, isso nada tem a ver com as preces do atual presidente do Tribunal de Contas do Estado, e sim com os esforços de escuta da polícia federal. E azar do Valdemar. Nesse caso, do Luís.
Nos últimos anos, diz a amiga Marilena, a universidade brasileira vem deixando de ser uma instituição para ser uma organização. Preciso reler o que ela escreveu sobre isso. Mas na prática dá pra ver. Só que o sentido de "organização" é bem especial.
Padrão acadêmico, por exemplo, parece ser uma expressão cada vez mais carente de sentido.
Se não é a versão tupiniquim do "publica ou periga", é a tal da entregração empresa-academia. Bem pertinho do povo.
Na sexta-feira vai sair o tal de listão da Polícia Federal, mais esperado do que o resultado do vestibular.
Que venha.
A Universidade de Bolonha tem um cepeéfe de miletantosanos.
A Ufesm tem só uns quarentaepoucos, mas, com um mínimo de zelo administrativo e sensibilidade humana pode se sair bem dessa. Mas seria bom ter mais opinião, né?
A foto é de Jaguarão, RS, onde não há nem sinal dessas tais de universidades. Bem que Jaguarão queria.

Moita administrativa


Recebi hoje na Ufesm uma correspondência enviada pelas autoridades, repassando um despacho do Procurador da República, Harold Hoppe. O Procurador tem a esperança que a "postura administrativa" das autoridades da Ufesm mude um pouco para reverter o quadro "cotidiano e rotineiro" de "falta de cuidado e zelo" com as coisas do campus. Trata-se do "considerável número de ocorrências de furtos de equipamento (sobretudo eletrônicos) ocorridos nos prédios da Universidade". O problema se agrava, diz o Procurador, pois a Ufesm não parece ter a menor vontade de "punir os responsáveis pela guarda dos equipamentos". Falta de zelo e cuidados, negligência, imprudência, omissão, ausência de responsabilização, vão por aí os qualificativos.
O documento foi dirigido ao Magnífico Reitor, sugerindo que sejam tomadas "medidas preventivas".
Dizia o Mário de Andrade: muita saúva e pouca saúde, os males do Brasil são.
Entender os males da Universidade pública brasileira não é coisa para amadores, ouço o Mestre Guina.
Vamos convir que faz muito tempo que os reitores tratam mesmo é de fazer campanha para se eleger, compondo com grupos de pessoas sem a menor afinação de idéias e levando adiante arremedos de políticas. Um reitor que pensou em defender o que ele achava ser o interesse genuíno da Ufesm foi declarado persona non grata por todo mundo, inclusive pelo sindicato.
Política de pessoal? Piada tem hora.
Faz pouco, alguns professores foram defenestrados por denúncias públicas. O que faz a instituição além de ficar na moita? Desde o dia 6 de novembro, alguém me mostra um gesto da Ufesm em torno do assunto?
Não contam aqui, por óbvio, as colheiradas de chá amargo servidas em entrevistas às potentes emissoras locais.
A foto acima ilustra o equi8pamento que tem sido mais usado nos últimos anos pela otoridades universitárias para acertar os próprios pés.
O Timóteo puxa a lista mas ela vem até aos pampas.

terça-feira, março 11

Pós-graduação

Um certo algoritmo do Google me fez chegar a uma entrevista que a repórter Jaqueline Silveira, do Diário de Santa Maria, fez com João Luiz Vargas, no dia 26/12/2007, sobre o assunto Rodin. Transcrevo a matéria:
"Diário - Como o TCE agirá com as denúncias em 2008, ano eleitoral?
Vargas - Nessa eu tenho pós-graduação. Há muitas denúncias infundadas. Acompanhamos aí de Santa Maria (fraude do Detran). Será que todas as denúncias são autênticas? A palavra-chave no tribunal é cuidado, mas não deixando de verificar denúncias.
Diário - Como o TCE atua com autarquias envolvidas em fraudes, como o Detran?
Vargas - As verbas do Detran são auditadas pelo TCE. Muitas questões eu não posso aprofundar porque há uma investigação, mas o tribunal vem apontando, alertando e, inclusive, penalizando. O TCE atua com o Ministério Público de Contas quando há denúncias. Havia uma denúncia, e o TCE autorizou a auditoria especial.
Diário - Em 2008, surgirão novos relatórios com denúncias envolvendo autarquias, além do Detran, que o TCE esteja trabalhando?
Vargas - Não. O tribunal continua na questão do Detran. Não termina este ano. Estamos analisando com profundidade e cuidado para não lançarmos suspeitas equivocadamente.
Diário - Como o senhor vê as denúncias sobre José Fernandes?
Vargas - Tenho grande admiração e respeito pelo professor José Fernandes e pelo (filho) Ferdinando. Os conheço há muitos anos. A gente sempre teve uma vinculação política muita forte. Ele (José Fernandes) teve uma vida ilibada (sem mancha). Seria precipitado qualquer julgamento. A questão levantada envolve, no momento, a Justiça Federal, e eu espero que seja esclarecida. Nos 30 anos que convivi com o professor, sempre o vi com dedicação muito grande em questões que trouxeram desenvolvimento não só a Santa Maria, como para a região. Ele conseguiu recurso para fazer o Banco da Esperança.
Diário - O senhor falou com ele depois das denúncias?
Vargas - Fui visitá-lo, levar a minha solidariedade. Estou rezando para que a verdade seja esclarecida."

Não acompanho o ex-deputado em matéria de fé e rezas, mas admito que por vezes elas fazem milagres.

Paisagem rural


A paisagem rural acima fica nas proximidades da propriedade de um dos "suspeitos com foro privilegiado", "alto servidor...", diz a ZH de hoje. Salvo grande engano, a ver.
O outro, o deputado federal, basta perguntar ao santo google que ele conta. É só digitar "deputado federal rodin" que ele entrega direitinho.

Pecados


A Igreja Católica apresentou nova lista de pecados. Agora, além dos sete capitais tradicionais (vaidade, soberba, ira, preguiça, avareza, gula, luxúria) foram apresentados os "pecados sociais": fazer modificação genética, poluir o meio ambiente, causar injustiça social, causar pobreza, tornar-se extremamente rico, usar drogas.
O dono do Vanguard Standard aí de cima não tem chance de cometer o pecado da riqueza.
Já o dono do C300 aí de baixo não sei não...

segunda-feira, março 10

Padre Lauro na Rolling Stone


"Um chrysler 300 preto corta silenciosamente as ruas de Santa Maria em uma manhã qualquer de janeiro, conduzindo um passageiro conhecidíssimo na cidade que boa parte do Brasil já ouviu falar devido à sua universidade federal, à sua base aérea e aos seus personagens fascinantes, o motorista do Chrysler dentre eles. São 11 horas e, ao som de uma voz grave que recita salmos no CD-player, Lauro Trevisan assim justifica seu patrimônio, não o espiritual, mas o material: “Faço a oração da riqueza. Sou um pregador da riqueza. Deus dá o que se pede e eu pedi isso”, sentencia, sem rodeios, quando o questiono sobre seu carrão, uma máquina empurrada por 340 cavalos de potência e quitada dias antes – R$ 170 mil, dos quais R$ 125 mil em cash (uma Mercedes conversível serviu para pagar o restante). Aos 73 anos, o padre Lauro, como é comumente chamado, é um peixe grande em uma cidade de cardume variado."
Eis o começo da matéria do Márcio Fernandes, na Rolling Stone de março, que deve estar chegando nas bancas hoje. Vamos aguardar. A foto é do Marcos Hermes.
Gostei do "cardume variado."
Falando em peixe grande, no blog da Rosane tem novidades sobre o caso Rodin. Escreve ela:
"Haverá surpresas no relatório da Polícia Federal que será divulgado na sexta-feira. Foi o que disse há pouco no Gaúcha Atualidade o Superintendente da Polícia Federal, Ildo Gasparetto. O número de indiciados, que já estava em 35, deve aumentar. E haverá a sugestão para que a Justiça solicite autorização ao Supremo Tribunal Federal ou a tribunais regionais para investigar pessoas que têm direito a foro privilegiado. Deputados federais, por exemplo, só podem ser investigados com autorização do STF. Deputados estaduais só com autorização do Tribunal de Justiça."
Usando a expressão do Márcio Rodrigues, parece que tem peixe grande nesse cardume variado dos pensadores bocamontenses.

domingo, março 9

Cinquecento


Dizem que a Fiat vai trazer para o Brasil o "Cinquecento". Esse vermelho aí, na frente do Mini Morris, deve ter uns trinta anos e fazia parte do rali no Uruguai. Haviam vários outros. O Cinquecento é um carro barato e charmoso e vai vender bem, acho. Mais barato que o cinquecento somente esses carros que a empresa contratada pela Fatec vendia para os professores, depois de encerrado o projeto. Um professor bem situado na hierarquia local me contou que uma alta autoridade foi contratada como consultor. Ganhou um carro para viajar pelo bem do Rio Grande ou coisa que o valha. Carrão legal, nada parecido com essa bostinha do Cinquecento. Depois que o projeto foi encerrado o dito dirigente ganhou o direito de comprar o bem propelido veículo pela módica quantia de uma lambreta. Quem sabe, em breve, a gente fica sabendo mais sobre isso.

Concurso na área de Filosofia

Ou, mais precisamente, em ensino de Filosofia. As inscrições estão abertas na Universidade Federal de Goiás até o início de abril. A área é "Filosofia: ensino de Filosofia". A inscrição pode ser feita pelo sítio da UFG na Internet (www.ufg.br). A titulação exigida é de Doutorado.

quarta-feira, março 5

Conselho Universitário

O Reitor da Unebê, Timóteo Mulholand, saiu-se ontem com a seguinte declaração, em depoimento dado a senadores em alguma dessas cepeís. "O apartamento foi decorado por decisão do conselho máximo. Mas eu não estava presente quando isso foi decidido." Os senadores queriam que ele explicasse os gastos de R$ 470 mil na reforma e decoração do apartamento funcional que ocupava. O conselho diretor da Fatec deles foi responsabilizado pelo reitor pelas despesas.
Essas histórias de Conselho Universitário ainda vão dar o que falar.
Os hábitos que cercam as relações dos reitores com os conselhos universitários, o tal do "órgão máximo" são os mais variados. Isso de decidir em interesse próprio, como diz a gurizada, é muito relativo.
Aqui, por exemplo, no dia 14 de dezembro de dois mil e um, o Conselho Universitário reuniu-se, junto com o Cepe e o Curadores, para escolher a lista tríplice para reitor da Ufesm.
Um dos candidatos à lista era o Prof. Jorge Sarkis, então reitor em busca da reeleição.
Sem piscar, ele presidiu a reunião que o elegeria.
Dois anos depois ele incentivou a vinda do Detran ao campus da Ufesm e deu o maior apoio para que um dos diretores de Centro e diretor da Fatec assinasse o contrato de prestação de serviços que hoje está na linha de tiro da Justiça.
O Conselho Universitário nunca tomou conhecimento do contrato com o Detran.

segunda-feira, março 3

O Journal of Philosophy e o "moving wall"

Um dos pedidos mais insistentes da comunidade filosófica brasileira foi atendido. O portal da Capes disponibilizou a assinatura do Journal of Philosophy. Qual não foi minha surprêsa quando vi que as edições disponíveis terminam em 2002, começando no início do século 20, por certo. Escrevi para os responsáveis e descobri que vai ser assim mesmo, por um bom tempo, por causa do tal do "moving wall" adotado pela revista. Eis a resposta que me deram:
"JSTOR is an archive of scholarly journals from a variety of disciplines. While our holdings for each journal begin with the first published issue, the availability of the most recent content depends upon an agreement we have reached with the publishers which we call the “moving wall”. For the majority of the journals, the most recently published issues are placed within the moving wall, and only become available to our users after a fixed time period (usually between 3 and 5 years after publication)."
Bueno, já é uma pequena alegria descobrir que temos um século de Journal à disposição.

sábado, março 1

Sociologia de lambreta


Viajar de lambreta pode ser uma pequena prática espiritual; são horas e horas sentado na mesma posição, sem poder mover-se quase nada, sem poder tirar por mais que segundos os olhos de um certo ponto adiante, na estrada; e manter, por mais tempo possível, o mesmo ritmo de deslocamento, atento aos sinais de todo tipo; com chuva, tudo se multiplica: os pequenos riscos na estrada aumentam e a chance de olhar para os lados diminui; a mão amortece, a bunda dói, os joelhos trancam mas é preciso seguir.
Viajar de lambreta no Uruguai é um convite para fazer sociologia de banquinho, coisa pouco nociva em férias.
Che Guevara batizou de La Poderosa sua Norton 500, que ia mal das pernas e apitou em algum ponto do sul do Chile.
Era La Flaquita, en verdad.
La Poderosa, o haras, pode ser uma ironia, lembra Dr. Valério. Acho que sim.
Minha flaquita ia entrando em Melo, seguindo um tramo do Gran Premio del Uruguay 19 Capitales.
Deixa explicar.
Estava eu esperando a chuva passar, em um posto de gasolina na entrada de Lascano, logo adiante de Rocha, quando o frentista comentou que logo ia passar um rali com mais de cem carros, com destino a Rivera.
Sorte, pensei.
Se tem uma coisa que incomoda quando a gente viaja sozinho de lambreta é ter pouca capacidade de realização espiritual. Isso significa: o gauchinho fica solito com seus pensamentos, sem nada para distrair, musica, tevê, só aquela imensa paisagem pela frente, emptiness, dizem alguns. Acho que por isso os motociclistas andam em bandos, como gusanos, esperando virar crisálidas e borboletas em algum lugar; ficam olhando a roda traseira do outro, admirando as lambretas alheias, fazendo micagens, brincando de seguir o líder passam o tempo e o espaço.
Nem Che Guevara viajou sozinho de moto.
Sorte, pensei.
Entro nesse rali.
Entrei. Com chuva e tudo, passaram os carros e me fui junto, colado num Gordini verde, que mal podia passar de oitenta e cinco. Cansei e fui em frente, colei no Mini Morris do Jorge Sanguinetti - ele mesmo, o irmão do ex-presidente, dirigente da poderosa estatal Ancap - e fui seguindo, dois decavês um Saab dois tempos também, um Cinquecento que fazia mais barulho que velocidade e fui indo na lambreta
Parava e deixava todo mundo me passar.
E tudo de novo.
Uma das diversões era ver o povo esperando, dentro de automóveis, na beira da estrada, para ver o tal do rally passar.
Entrando em Melo - foram setecentos quilometros de chuva - havia esse Vanguard Standard da foto aí encima.
Passei direto.
Depois freei a lambreta e pensei em todas as fotos que me arrependi de não ter parado e tirado. Metáforas da vida, por certo, pensei. A gente vai passando, vê a cena, coisa mais linda, pensa na foto mais linda ainda que poderia tirar, e vai em frente, com pressa, e não volta para tirar a foto. São aqueles poucos segundos, tira o pé - ou mão - do acelerador, pára, volta, faz a foto. Ou então ficamos pensando e penando e vamos em frente. E ficamos pensando que foto bonita poderíamos ter tirado. Quantas fotos bonitas perdemos, a gente fica pensando e penando.
Voltei. Ando solito, não atrapalho ninguém, pensei. Voltar, sempre que quiser, poderia ser um exercício espiritual, de tentar não perder nenhuma foto. Pensou, parou. Se não der foto boa, o aprendizado com a delusão é bem provável.
Muitas fotos a gente tira com a mente. Ficam com a gente para sempre, mas fica a sensação de ter perdido o momento e a chance de repartir.
Parei e voltei, estacionei a lambreta, fui até o carro e pedi licença para tirar umas fotos. E perguntei que carro era aquele. Eu me dirigi ao lado esquerdo do carro e ali havia uma senhora. O dono e motorista estava do lado direito do carro - onde ficava a direção - com uma criança no colo. Era um carro inglês, um Standard Vanguard de 1947, disse o dono. Sim, já tinha recebido propostas de venda, mas nenhuma razoável. Afinal, o carro, diz ele, está impecable.
Concordei com o dono. Estava impecable o Vanguard.
Toda a família estava ali dentro do Standard, esperando passar o Tramo B do Gran Premio del Uruguay 19 Capitales, que ia de Maldonado a Rivera. Ficaram horas por ali, protegidos da chuva, para ver passar os Cinquecento e demais.
Reparei no jeito que o menino na janela traseira do carro me olhava e me bateu uma tristeza.
Chovia muito.
Subi na lambreta e fui embora para Rivera. Depois daquele Standard o ralli começou a perder a graça.

Fauna


Pessoas interessadas na vida da fauna desprovida de entendimento discursivo devem comprar o último número da Ciência & Ambiente.
O número 35 chama-se "Fauna Neotropical Austral" e tem uma belíssima revisão sobre moluscos, mariposas, crustáceos, anfíbios, répteis, aves, quirópteros, mamíferos em geral. O número foi elaborado por Delmar Antonio Bressan, Editor da Revista, e pela editora convidada, Sonia Zanini Cechin, professora do Departamento de Biologia da UFSM.
Ciência & Ambiente ocupa um espaço muito especial no Brasil, pois são raras as revistas que oferecem esse tipo de trabalho que sintetiza informações de ponta em um espírito de revisão. Alguns dos números já publicados ocupam nichos editoriais até hoje pouco explorados.
O endereço eletrônico da revista é
www.ufsm.br/cienciaeambiente
O próximo número, informam os editores, terá como tema "Pensando a Evolução".

Minas


Minas é uma bela pequena cidade do interior do Uruguai. Tem bons hotéis, alguns rios e cerros de pedra muito bonitos por toda a volta. Na praça central, na rua Domingos Pérez, 483, há um bom restaurante, para se comer a clássica parrillada, acompanhada de papas a la crema. Como toda pequena cidade do interior, na rua desfilam dezenas de ciclistas e pequenas motos de todo tipo, a maioria chinesas de baixo preço. Muita gente velha na rua e crianças. Quase não há trabalho. As lojas estão cheias de mercadorias chinesas, incluindo enormes caminhonetes que imitam as japonesas em tudo.
Ainda volto lá. Essas pequenas cidades do interior do Uruguai tem muitas histórias para contar, com certeza.
Ou quem sabe, se eu pudesse, compraria uma dessas chevrolas dos anos vinte para restaurar.
Essa aí estava na entrada da cidade. Não perguntei o preço, mas o dono deve querer alguns miles de dólares, que a brasileirada está inflacionando tudo por lá.
Os empregados das estâncias de brasileiros andam rindo sozinhos. Os de verde-amarelo, de longe, pagam melhor do que os de azul e branco.


As raposas são animais desprovidos de entendimento discursivo, mas completamente providas de DNA, aquelas estruturas biológicas que o Watson e o Crick anunciaram em 1953, quando eu morava no interior do interior do Cacequi, perto da Capela do Saicã. O DNA é um tipo de matéria prima que transmite as características de cada espécie de uma geração para a outra. Até taturana tem isso.
As raposas são desprovidas de entendimento discursivo mas dão mostras de entender algumas coisas. Se as criaturas providas de entendimento discursivo e polegar opositor lhes oferecem alimento diariamente, sem a presença de cachorros por perto, elas costumam vir todos os dias, para pegar algum. Se o alimento não for oferecido espontaneamente, mas estiver dando sopa, sem vigilância, elas também pegam.
Há raposas em abundância na região de Solis de Mataojos.
Essa aí, de corte tradicional, vinha todos os dias buscar o seu. Ao meio dia, abusada, sentava numa sombra, sete ou oito metros longe, e ficava esperando.
Tem muitas outras, como dizem por lá, sorros. Poucos são mansos, como corresponde.

Los tres amigos


No recorrido que fiz com a lambreta eu pensei que fosse encontrar muitas placas como essa, que está na beira da estrada que leva até ao haras. Parece que tanto quem vende como quem compra, são muito discretos. O que pude confirmar, para ganhar um picolé de limão de Mestre Guina, foi o seguinte: de fato o senador esteve visitando a região, tendo como hospedaria a referida estância. Ele estava acompanhado da bisneta de um marechal e da filha do chamado "Chanceler do Aço", além de seu filho e do gerente da fazenda. Um membro dessa caravana mencionou a vontade de comprar uma outra estância vizinha que deve ter uns cinco mil hectares e deu a entender que o capital viria do aço brasileiro; esse negócio não saiu até hoje.
"La Poderosa", então, segundo Dona Eva, pertence a Dom Benjamin e à Dona Carolina, que devezemquando dão por ali o ar da graça; ali se criam puro-sangues de primeira linha; o mesmo acontece em um haras que Dom Benjamim tem em São Paulo e na Argentina. E é só.
Como argumentei com os amigos uruguaios, não há nada para se estranhar. Para um brasileiro comprar terras no Uruguai, basta ter carteira de identidade e a respectiva plata, como corresponde. Milhares de hectares pertencem hoje a Brasileiros. Na região de 33, com arroz e gado. Na região de Rocha, com eucaliptos e pinos. Em Punta del Este, mais precisamente em Maldonado, o grupo Fasano acaba de lançar um empreendimento, voltado para explotar o lazer, de doze milhões de dólares. E por aí afora.
Como argumentei com meus amigos uruguaios, o senador conheceu Dom Benjamin na escola primária e são grandes amigos. Em algum momento de sua carreira, informa o santo Google, o senador prestou assessoria econômica ao empreendedor, em algum dos passos de gigante que ele deu.
Dom Benjamim é um dos grandes contribuintes para as campanhas do senador. Esse trecho de uma matéria que está em uma página do Ministério da Fazenda ilustra isso:
"Mercadante recebeu duas doações de empresas do grupo Votorantim, do empresário Antonio Ermírio de Moraes. A Votorantim Finanças destinou R$ 1 milhão, e a Ibar Administração e Participações, R$ 1,2 milhão.
Outro importante doador para o petista foi a CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), que contribuiu ao todo com R$ 1,5 milhão. O diretor-presidente da empresa, Benjamin Steinbruch, é amigo de Mercadante desde a juventude."
http://www.fazenda.gov.br/resenhaeletronica/MostraMateria.asp?page=&cod=332205.
Ainda tem aquele outro assunto da participação da Previ na privatização da Vale, para a qual, se diz, a opinião do Senador foi importante. E ambos gostam muito de cavalos, bem como o Sr. Marcelo Baptista de Oliveira, outro conhecido apreciador das artes equestres, amigo dos dois já citados.
Nada que ninguém já não soubesse, no geral.
Mesmo assim, já na segunda-feira vou tentar cobrar meu picolé de Dom Guina.

terça-feira, fevereiro 26

La Poderosa III


Dona Eva vende pães na estrada que leva até a La Poderosa. São deliciosos, bem como o queijo. Acho que ela não precisa desse comércio, mas deve ficar entediada em casa, esperando o regresso do marido, caminhoneiro, que faz longas viagens pelo Brasil, por exemplo, e então abriu uma tendinha para se ocupar um pouco. Ali se pode comprar fanta morna, salames, pepinos em conserva. Peço uma fanta, um pão, e fico de papo. Pergunto a ela se sabe quem é o dono de La Poderosa.
Dona Eva nem pisca o olho, conhece tudo por ali. "Os donos são o Seu Benjamim e a Dona Carolina. De vez em quando aparecem por esses lados", diz ela.
Eu também nem pisco o olho.
Seu Benjamin e Dona Carolina estão na lista das pessoas mais ricas do vizinho país chamado Brasil.
São os donos da Vicunha, da CSN, de um pedação da Vale e de outros quetais.
Acabou a história sobre quem é o brasileiro dono do haras "La Poderosa", no Departamento de Lavalleja, Uy.
O resto da história, em especial sobre as relações do Seu Benjamin com o senador Mercadante, está nas colunas sociais do hipismo brasileiro.
Monto na minha lambreta e sigo para uma visita de alguns dias ao amigo Rodrigo, praticar um pouco de carpintaria, que estou de férias.
Até breve.

sábado, fevereiro 23

Cavalgada


A foto é de Silvana Garzaro. O texto é da Isto é Gente:

"Mercadante na maior cavalgada do mundo
A maior cavalgada do mundo foi realizada no domingo 23, em Ouro Preto, Minas Gerais. A largada foi na antiga Coudelaria Real, onde Dom João VI deixava seus cavalos. Participaram da marcha 1.022 cavalos da raça Mangalarga Marchador que percorreram 15 Km da Trilha dos Inconfidentes.
O evento entrou para o Guinness Book. Entre os cavaleiros, estava o deputado federal Aloizio Mercadante. “Cavalgar é uma das minhas paixões. Quando tenho tempo, monto e passo dias no meio do mato”, disse Mercadante. O organizador da prova, Marcelo Baptista de Oliveira, proprietário do Haras Maripá, principal criador da raça no País, liderou a cavalgada ao lado de sua mulher, Sophia Rondon de Medeiros Baptista de Oliveira, bisneta do marechal Cândido Rondon. “Todas as manhãs vamos para a Hípica Paulista, em São Paulo, onde cavalgamos. É a nossa terapia de casal”, contou."

Os butiás estão no bolso, como se diz por aqui no pampa. Eu mesmo, se tivesse mais tempo, voltaria a cavalgar. Até hoje me recordo com prazer de montar a cavalo ali na Fazenda São João, em Formigueiro. Uma vez cheguei mesmo a levar uma tropinha até o fundo do Formigueiro, junto com uma gauchada de primeira, incluindo o Negro Cafuncho. Meu primo Cleber, vaqueano como poucos guris, é testemunha.
Andar a cavalo é uma das coisas mais emocionantes que se pode experimentar na vida; aquela potência no meio das pernas da gente, animalidade pura, e ainda por cima, se bem domado, ao nosso bel controle, a quê comparar?
Minha vida é na cidade, um professor.
Hoje minha pequena poderosa é uma lambreta, ferro e borracha que nada tem a ver com a potência animal de um mangalarga. Mas é o que tenho para montar. Amanhã dou uns laçaços nela, para matar a saudade.
Eu não fazia a menor idéia que o Senador gostava de montar a cavalo. Chegou a entrar para o Guiness, vejam só.

sexta-feira, fevereiro 22

Protesto


Um dos leitores mais assíduos escreve um enérgico mail:
"Pergunto se você não poderia postar uma matéria-protesto contra o esgoto a céu aberto que atravessa o bosque e a pista de caminhada da UFSM. Dependendo do dia, o cheiro daquilo é insuportável. Pena que a câmera fotográfica não capture, ainda, cheiros. A pista de caminhada da UFSM é, certamente, um dos locais mais frequentados do Campus, e é inadmissível que uma universidade como a UFSM (ou qualquer outra!) se encontre numa situação dessas. Por falar em bosque, abriram na última sexta-feira um enorme clarão no bosque, desconfio que para começar as obras do Centro de Eventos. Por falar em esgoto, dizem que o lençol freático da UFSM está contaminado. Pergunto, novamente, se numa instituição que pretende ser produtora de conhecimento de alto nível e que possui um Comitê de Ética uma situação dessas é admissível."
Tá postado! Eu não diria melhor.
Para essa situação nosso vice, que está pessoalmente empenhado no Centro de Eventos, não poderia dizer que "cada dia é uma surprêsa!"
Na foto, o local do futuro Centro de Eventos, que está tirando o sono dos donos das empresas de formaturas.

Feist


Taí a linda. Se eu soubesse como, colocaria aqui meu mp3 favorito, "Silent Heart". Como não sei, tem trechos do ultimo disco dela, The Reminder, aqui.

Feist na Rolling Stone


Em novembro de 2005 Gabriel estava no Canadá e me escreveu dizendo isso: "Fui apresentado hoje a uma cantora canadense que acho que tu iria gostar. O nome dela é Feist, e o disco é Let It Die. Se tu não conseguir baixar da pra ouvir nesse site http://www.galleryac.com/index.php. Ah sim, e ela é linda... Um abração, Gabriel"
"Let it die" havia sido lançado em 2004.
Foi ouvir e gostar. Desde então Feist faz parte da minha lista de cantoras favoritas. Ela ganhou três páginas na Rolling Stone de Fevereiro.
A Conexão Brasilis do número de fevereiro é muito boa. Traz a história daquela que foi considerada a melhor escola pública do Brasil, o Ciep Guiomar Gonçalves Neves, da cidade de Trajano de Moraes, no Rio de Janeiro. A matéria de Carolina Benevides, com fotos de Gerson Nascimento, deveria ser lida por todas as escolas públicas do Brasil, para mais pessoas se darem por conta que as soluções mais importantes, para se reverter a profunda crise do ensino brasileiro, dizem respeito ao modo como os professores encaram seu trabalho. A reportagem dá um nó no peito da gente.
Tem também uma matéria sobre fazendas de senadores da república que acobertam trabalho escravo. De doer, também. Mas esse assunto, de fazendas de senadores, vamos deixar para outra hora.

Um deus passeando pela brisa da tarde


Esse gajo aí ao lado é Mário de Carvalho, lisboeta e escritor. Terminei de ler, dele, "Um deus passeando pela brisa da tarde" (Cia das Letras, 2006), uma história que se passa em uma pequena cidade da Lusitânia, nas fraldas do império romano, no século II d.C, inícios do cristianismo. A história está narrada pelo duúnviro (autoridade máxima local) Lúcio Quíncio, que se vê no meio de uma complexa situação: a cidade é assediada, pelo lado de fora, pelos mouros e as defesas e os muros dela são frágeis; os lusitanos de Tarcisis (o nome da cidade) são assediados pelo lado de dentro pelos cristãos - a turma do peixe - que começam a difundir suas idéias e criticar as demais religiões e alguns hábidos da cidade, e com isso despertam profundos ódios na comunidade; Lúcio é assediado por pensamentos e emoções que lhe impedem de agir da forma como a turbamulta gostaria. Entre esses assaltos destaca-se o que provém da relação dele com uma nobre romana convertida ao cristianismo. Mais não digo para não tirar o gosto do leitor. O romance vai num crescendo de tensão e expectativas: conseguirá a cidade resistir ao ataque de milhares de mouros, desprovida que está de qualquer guarnição decente? Como ficam as relações do cristianismo e de seu deus em um ambiente de dezenas de religiões? E como o duúnviro lidará com o fascínio que sente pela bela romana convertida e intransigente em sua crença?
Quem me recomendou esse livro foi o Jairo José da Silva, como já indiquei em alguma postagem anterior.
Valeu cada linha.

Entendimento discursivo


Um leitor manifestou curiosidade em relação à expressão "entendimento discursivo", que tenho empregado com certo abuso. Faço aqui uma nota sobre isso. Eu deveria ter escrito sempre "conhecimento discursivo", para fazer justiça a um dos contextos de uso da expressão. Trata-se da "Suma Contra os Gentios", de Tomás de Aquino. O livro data de 1313, aproximadamente, e representa a obra madura do teólogo Aquino. No primeiro capítulo Tomás trata da natureza de Deus, usando um método que combina a "via negativa" (dizer o que Deus não é) com a via positiva (dizer o que ele é). Assim, Deus não é corpo, nele não há acidente, e Deus é bom e uno. Nesse andor, Tomás chega ao problema de caracterizar o modo do conhecimento divino. Aqui, novamente, a solução é comparar o tipo de conhecimento que Deus tem com o tipo de conhecimento que os homens tem. Assim, Tomás expõe, falando de Deus, sua teoria do conhecimento humano. Para o que me interessa aqui, Tomás indica dois tipos de conhecimento. Um deles é o conhecimento "raciocinante ou discursivo", "quando, tendo pensado em uma coisa passamos a outra, como no silogismo, no qual vamos das premissas para a conclusão" (SCG, Livro I, Cap. LVII). O intelecto humano funciona, diz ele, na base da composição e da divisão, uma coisa torna-se conhecida por meio da outra. Já o intelecto divino não precisa compor e dividir, não precisa saber primeiro uma coisa e com base nessa passar para outra. Deus considera tudo simultaneamente, numa só operação. Seu pensamento não depende de raciocínio. Tomás não usa a expressão, mas se poderia dizer que o conhecimento divino é "intuitivo", não depende do caminho demonstrativo. A oposição que ele faz é entre "raciocinante" e "intelectivo".
A razão humana, conclui ele, é algo imperfeito. Precisamos saber uma coisa depois da outra, uma coisa por meio da outra.
O preço do conhecimento é a contínua vigilância aos equívocos do silogizar.
Assim, o entendimento divino, que não silogiza, não é discursivo.
Para que uma criatura seja dita provida de entendimento discursivo, deve silogizar.
Disso não se segue que os animais sejam desprovidos de linguagem.
Tampouco se segue que todos os animais providos de entendimento discursivo silogizem.
PS: os professores de Filosofia, essa disciplina que esse ano vai entrar em todas as escolas, ensinam a negação de proposições universais?

quinta-feira, fevereiro 21

Emas


Sobre o cornichão, as emas. No Uruguay tem muitas. Emas são criaturas desprovidas de entendimento discursivo. A falta de entendimento discursivo faz com que o mundo emocional das emas seja inteiramente diferente daquele das criaturas providas do mesmo. Emas esperam, por certo, mas nada que tenha a ver com "amanhã" ou "semana que vem". Eu, por exemplo, estou em férias e espero, com alguma ansiedade, voltar a esse agradável país vizinho nos próximos dias. Para os cidadãos da Boca do Monte nos fica muito perto, o Uruguay.

Banquinho


Desde ontem estou que nem as raposas do Uruguay, esperando. Elas esperavam comida, eu espero em vão um telefonema. Dizem que o homem está se recuperando, quem sabe vai levar alguns dias. Ainda bem que estou de férias e tenho um banquinho, quem nem aquele do Mestre Guina.
Os programas de edição de fotografia tem uns dispositivos automáticos de remoção de olhos vermelhos; eu precisava de um programinha de remoção de olhos brancos, das raposinhas.

Cachilas




Os anos sessenta e setenta parecem ter sido a década de ouro da exportação de automóveis antigos para os Estados Unidos, em especial. Os Ford 29 e os Chevrolet eram buscados por todos os lados e lotavam navios. Hoje a saída desses carros é dificultada pela lei. Sobram os banhados do Aceguá. Esse azulzinho aí de cima estava vendido por U$2.500 para um brasileiro.

Carros e surpresas


"Cachila", dizem no Uruguai, para os automóveis antigos. Esse Dogde Limusine está dentro de um galpão na beira da estrada entre Minas e Solis de Mataojos, próximo da estrada que leva ao camping de Águas Claras e à La Poderosa, referida abaixo. O Dodge está a venda por cinco mil dólares. Tem quem compre.
Falando em carros, a ultima vez que a Ufesm se viu envolvida, em algum sentido, com escândalo de automóveis, foi no início dos anos oitenta, se lembro bem. Um pequeno grupo de professores comprou automóveis a preços de banana, e um belo dia a polícia veio e levou tudo. O constrangimento, na época, surgiu pela desculpa esfarrapada que foi apresentada para os preços baixíssimos que cada um havia pago pelas belas viaturas: eram carros recuperados por seguradoras, etc. Responderam processos.
Agora surge outro possível caso de carros na Ufesm. Diz a ZH hoje e disse o Diário ontem que "professores teriam recebido dinheiro e carros". O fato motivou, de acordo com a ZH, uma linda frase do vice-reitor da Ufesm, "cada dia é uma surpresa!" Não posso esquecer de anotá-la na minha caderneta.
Dezenas de professores andam todos os dias em automóveis comprados com o dinheiro de projetos. O caso motivou uma recente decisão do Consu, a Resolução N. 016/07, que "disciplina o uso de veículos automotores de transporte rodoviário adquiridos com recursos de projetos, convênios e/ou contratos na Universidade Federal de Santa Maria e revoga a Resolução N.002/2007." Parece que uma das discussões mais importantes ocorreu em torno da obrigatoriedade ou não de usar um sinal identificador do tipo "uso exclusivo em serviço".
Alguns professores ganharam (e ainda ganham) bolsas por meio da Fatec. O que se dizia é que algumas delas não exigiam do ganhador pouco mais do que algumas assinaturas. Eram algo parecido a laranjas. Eu tive o depoimento de uma servidora da Ufesm que agradeceu o convite para receber uma bolsa, a troco de uma assinatura mensal e olho distraído.
Outras bolsa são quentes e demandam trabalho real.
Onde está o joio, onde está o trigo, o policial que deixou escapar essas notícias não ajudou muito a saber.
PS: um leitor escreveu lembrando essa história dos carros baratos; segundo ele, um dos intermediários era funcionário da casa. Obrigado!

La Poderosa


Na imagem do Google Earth, a localização da estância "La Poderosa".

quarta-feira, fevereiro 20

"La Poderosa"





Nesses poucos dias que estive no Uruguai, em meio a uma conversa com amigos, um deles comentou a exuberância econômica demonstrada por um senador brasileiro que comprou terras ao lado de onde estávamos. O dito senador seria o feliz proprietário de um haras, de área total não conhecida pelo meu amigo. O nome do estabelecimento é "La Poderosa". O dito senador teria feito uma oferta de compras de uma outra área, vizinha, no total de cinco mil hectares. O preço do hectare por ali pode chegar a novecentos dólares.
Mas quem seria o tal senador, pergunto eu. O morador local disse que era Aloísio Mercadante.
Eu sorri com ceticismo, como o leitor compreenderá.
Aloísio Mercadante é uma reserva moral do Senado Brasileiro, professor universitário como eu, um ex-presidente da Andes, entidade que ajudei a construir nos idos dos anos oitenta. Ele, se provido fosse de recursos tais, dificilmente teria como prioridade de investimento comprar terras no Uruguai para criar cavalos.
Aliás, muito bonitos.
Meu interlocutor teria se confundido, argumentei. Afinal, há tantos brasileiros comprando terra no Uruguai, quem sabe algum senador, mas Dom Mrcadante me parece pouco provável.
Continuei expressando meu ceticismo para esse conhecido que, diante de minha descrença e temeroso de me ofender achou melhor mudar de tema, como se diz por lá.
Na dúvida, hoje, escrevi para o Senador perguntando sobre o tema.
Algum leitor ficará na dúvida se eu deveria repartir essa conversa com os demais oito leitores do blogue. Eu pensei sobre isso e concluí o seguinte: esses conhecidos de Lavalleja insistem em contar essas histórias sobre o senador e não sou o primeiro brasileiro a ouvir esses assuntos. Se o senador me responder dizendo que isso é uma grande besteira, posso esfregar na cara desses uruguaios que eles estão inventando lorotas.

Uruguai


O último número da edição brasileira de "Le Monde Diplomatique" (ano 2, numero 7, fevereiro) traz um artigo de duas páginas da santamariense Deisy Ventura, sobre as desventuras do mercosul. Segundo ela, o que há de mais vivo no Mercosul deve-se às iniciativas da sociedade civil e não às ações efetivas dos governos, que gastam semestralmente mais de um milhão de dólares nas reuniões de trabalho, grupos de estudo, etc. Um belo artigo, recomendo.
Andei por uns dias no Uruguai. Acho que dona Deisy tem razão. Um dos estabelecimentos que visitei, na beira da estrada que liga Minas a Solis de Mataojos vende carros antigos. O dono comentou que seus clientes preferenciais, noventa por cento, são brasileiros. Um Citroen 1950 bem ruim das bielas vale quatrocentos dólares. Um Dodge Limousine de cinquenta e poucos e em estado razoável vale cinco mil dólares. Eles entram no Brasil pelos banhados de Aceguá. Não estão nem aí para os procedimentos jurídicos previstos pelos burocratas.
Na foto, um Dodge Custom, quase inteiro, diz o rapaz que os apresenta aos brasileiros compradores. No Uruguai há uma lei que protege os carros antigos, considerados como patrimônio do país.